A cultura do coco na Barra dos Coqueiros

Nicy Alves  

Há mais de um século, a cidade de Barra dos Coqueiros, em Sergipe, desempenha um papel de protagonista no processo histórico e econômico da região, e consequentemente, do estado. A cidade tornou-se um polo entre as primeiras e maiores beneficiadoras de coco do nosso Estado.  Destes primeiros fatos históricos relevantes e propícios ao desenvolvimento das experiências de beneficiamento, deve-se fazer lembrança de que o segmento de comercialização do coco tornaria um dos maiores elos na expansão da área plantada e do processo de acumulação necessária à construção da primeira unidade beneficiadora de coco no Brasil, instalada no povoado Barra dos Coqueiros em 1916.

Segundo Freire, (1977), o coco já era visto como uma cultura de grande futuro e na Barra dos Coqueiros havia a localização e um clima ideal.

Já Cruz, (1943) citou a primeira fábrica ou estufa de coco de Sergipe, como surgida nos idos de 1916, em nossa cidade, pelas mãos do sergipano Jardelino Porto, onde hoje está localizada a Escola Municipal João Cruz. Ela foi instalada como importante força econômica, já que em sua maioria, a comunidade vivia de produtos produzidos na agricultura familiar que era comercializada na capital, Aracaju. E como alternativa de emprego e renda para os municípios e cidades circunvizinhas.

A indústria do coco se fortaleceu a partir da constituição da empresa Vieira Sampaio Ind. e Com. S/A, na década de 1930. Nessa década, Sergipe era o único estado do Brasil a produzir derivados do coco.

É também neste período, (1932-1934) que o estado sai da condição de importador para exportador da fibra de coco, através da firma E. Porto & Irmãos, dirigida por Euclides e Irineu Porto.

Surge também nesse período o início da produção do leite de coco, graças a visão do empresário Álvaro Sampaio e do químico Antônio Tavares de Bragança.

Em 1920, foi feito um levantamento dos principais produtores de coco do estado, onde Aracaju apareceu em primeiro lugar na linha de produção, sendo que Barra dos Coqueiros pertencia à área de Aracaju, deste modo, considera-se que essa posição se devia graças à ajuda primordial do nosso município.

A constituição da empresa Indústria e Comércio S/A (Fábrica Serigy), em 1932, contribuiu para a articulação desse novo segmento na agroindústria nordestina como o estabelecimento de novas técnicas para obtenção do leite de coco e coco ralado.

A Serigy também foi a pioneira na técnica de introdução e conservação do leite, sendo uma referência nacional no processo do leite de coco industrializado.

MEMÓRIA EXPLOSIVA

Há mais de dez décadas, a cidade de Barra dos Coqueiros testemunhou o florescimento das antigas fábricas de beneficiamento de coco, que desempenharam papéis vitais na economia brasileira. Entre essas notáveis instalações, destacavam-se: a Fábrica do Doutor João, localizada hoje na Escola João Cruz e a fábrica Vieira Sampaio (Serigy) onde está localizada a antiga Escola Cenecista Arnaldo Dantas (hoje abandonada). A história desta última foi marcada por um trágico evento que ainda ecoa nas memórias dos moradores do seu em torno. Destas, cito as senhoras Celina e Denise, testemunhas oculares do momento da explosão. Num final da tarde do dia 08 de dezembro de 1969, na rua da frente, como é conhecida, os moradores adjacentes cumpriam sua rotina normal, quando algo muito assustador aconteceu: um barulho ensurdecedor deixou a todos atônitos. Uma correria que não era habitual tomou conta da pacata avenida. Estilhaços voaram para todos os lados atingindo as residências. Dentre elas, a de dona Ana parteira, que foi atingida por uma enorme peça de ferro revestida de concreto. A Fábrica Vieira Sampaio, além dos danos materiais, resultou também na perda trágica de uma vida, um dedicado funcionário da empresa que cuidava da caldeira veio a falecer. Fato esse descrito em detalhes pela senhora Denise, moradora até os dias de hoje na avenida, que narrou a triste condição da viúva ao se dirigir ao local do acidente.

ECONOMIA LOCAL X MEMÓRIAS AFETIVAS

As instalações não apenas proporcionaram empregos para os moradores da região, mas também impulsionaram diversos setores da economia local. Isso não foi apenas visto como meios de subsistência para as famílias, mas também contribuía para o desenvolvimento socioeconômico da comunidade.

O funcionamento das fábricas gerava receita para o município por meio de impostos sobre a produção, propriedade e renda. Essa arrecadação era essencial para financiar serviços públicos na região.

As fábricas dependiam de fornecedores locais para a comercialização de materiais e serviços, criando oportunidades adicionais de negócios para empresas.  O transporte do coco era feito em pequenas canoas a motor e a pano; uma delas era a PEPITA, navegada pelos senhores José Bengo e Carmo Grande. Já a maior canoa que, consequentemente, trazia uma carga considerável de frutos, era de nome SAVEIRO, de propriedade do senhor Zifirino Alfredo dos Santos, na época, um comerciante do povoado Canal de São Sebastião.

No que se refere à matéria prima local, o coco era trazido dos povoados pelo Canal de São Sebastião, Porto Grande, Flexeiras, Boa Fé, Curral do Meio, Jatobá, Capoã, Olhos D’agua, dentre outros.

Em resumo, as fábricas de beneficiamento de coco foram pilares da economia local, proporcionando empregos, estimulando o comércio, gerando receita para o município e contribuindo para o desenvolvimento da Barra dos Coqueiros no Estado de Sergipe. Sua importância transcendeu o aspecto econômico, deixando um legado duradouro à comunidade.

Dona Maria Lenaide, mãe solteira na época e antiga operária, relatou que, apesar de pouco tempo trabalhando na Fábrica Vieira Sampaio, entre os cortes sofridos por diversas tentativas ao tirar o coco do casco, guarda com carinho as grandes amizades que construiu durante esse período; ela relatou que no trajeto até o Trapiche Ribeiro, situado às margens do frondoso Rio Sergipe, navegando em canoa de pano, em meio ao amontoado de cocos e a maestria no movimento frenético do leme dos marinheiros, muita coisa passava em sua mente, principalmente, a percepção do quanto era importante trazer a renda para alimentar seus quatro filhos. Ela relatou também que sua avó, no momento da explosão, achou que o estrondo era o fim do mundo, tão falado na época do acidente:

“Lembro-me com carinho de ainda criança brincar com meus irmãos nos vestígios das ruínas do imponente Trapiche Ribeiro, um amontoado da fibra do coco deixado pelo tempo; tudo isso transformava-se em montanhas imaginárias, até fazer-nos despertar pela água fria que, ao passar das embarcações a navegar pelo estuário, trazia as marolas e batia  esvoaçante como se fora algo mágico transmutando onda sem suas ruínas”.

Por isso, é importante acreditar na força da escrita e da memória para trazer à tona as lembranças, usos e costumes de um povo para não apenas ordenar palavras e elaborar pesquisa, mas, principalmente, sentir e se emocionar com a vivência do outro e que quebrando assim às barreiras do tempo.

REFERÊNCIAS:

CRUZ, J. O coco na economia de Aracaju. Revista de Aracaju, v.1, n.1, p.3-16, 1943.

FREIRE, Paulo. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

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